quinta-feira, 9 de julho de 2009

As meninas superpoderosas - Uma leitura a partir do gênero.

A partir do filme “As Meninas Superpoderosas”, nos propomos a discutir algumas formas das quais a mídia se utiliza, para a perpetuação das representações tradicionais do masculino e do feminino em nossa sociedade.
O filme de animação, que tem por título original The Powerpuff Girls Movie, foi lançado nos EUA no ano de 2002, pelo Estúdio Warner Bross/ Cartoon Network, tem direção de Craig McCracken e roteiro de Charlie Bean, Lauren Faust, Paul Rudish, Don Shank e Craig McCracken.

Atualmente está totalmente difundido em nosso país, tanto que uma vasta linha de produtos voltada para o público infantil e adolescente, trazem a marca das “Meninas Superpoderosas”.

O filme traz a história da criação de Florzinha, Docinho e Lindinha, mais conhecidas como as Meninas Superpoderosas. Também apresenta os motivos pelos quais elas decidiram combater o crime.

As meninas surgiram de um acidente químico. Um cientista inicia em seu laboratório uma mistura na qual são adicionados açúcar, tempero e tudo o que há de bom (representados nas formas de corações, estrelinhas, florzinhas e etc., coloridos em tons pastéis), em função de estar insatisfeito com a realidade de violência de sua cidade e na tentativa de criar uma fórmula para tornar as vidas das pessoas mais doces. Por acidente, o macaco do professor, enlouquecido, esbarra nele e provoca o derramamento do “elemento químico X” na mistura. Surgem então “As Meninas Superpoderosas”. Feliz com o surgimento das meninas, o cientista apressa-se para lhes dar nomes e a partir de uma rápida conversa decide que uma se chamará Florzinha, por ter se mostrado franca (que se abre como uma flor) e meiga; a segunda se chamará Lindinha, por ser vaidosa e sensível; e a terceira se chamará Docinho, apesar de brava, porque, segundo a personagem cientista, o nome “também é no diminutivo”. Florzinha se veste de cor de rosa, e é a líder do grupo, Lindinha de azul e Docinho de verde. Encantado com a possibilidade de ser pai e de poder, através da educação de suas filhas, contribuir na construção de um mundo melhor, ele procura organizar um quarto para as meninas, compra-lhes brinquedos e livros, e as leva para a escola. Nesse processo ele descobre que as meninas têm super poderes, o que o incomoda um pouco, pois elas antecipam através da utilização desses poderes, todas as tarefas que ele se propõe a realizar para elas, como pintar e mobiliar o quarto, abrir janelas na parede, preparar refeições e etc.

A partir de uma brincadeira infantil de “pega-pega” aprendida com os amiguinhos na escola, elas destroem toda a cidade ao tentarem pegar uma às outras. O pai então as convence a não utilizarem os super poderes, até que elas saibam lidar com eles de forma positiva (socialmente aceitável).

No dia seguinte são hostilizadas pelos coleguinhas, que são obrigados a estudar numa escola toda destruída pelo “pega-pega” das garotas. Nesse meio tempo, o pai é conduzido a prestar esclarecimentos às autoridades sobre o que ocorrera e deixa de ir buscá-las na escola. Elas entendem que ele também não gosta mais delas, mas ainda assim tentam achar o caminho de casa, mas sem utilizar os super poderes.

Enquanto vagam pela cidade, encontram o “Macaco Loco”, que é o macaco do professor, também afetado na experiência que fez surgir as Superpoderosas; depois do acidente ele adquiriu também poderes e planeja conquistar o mundo. Aproveitando-se da ingenuidade das meninas e da sua tristeza, ele as convence a ajudá-lo, mas dizendo que o que quer é ajudar a cidade. Com a ajuda das Superpoderosas ele consegue multiplicar a quantidade de “Macacos Locos” e domina a cidade. Elas então fogem para um planeta deserto, para não mais provocarem problemas. Só retornam quando ouvem o “Macaco Loco” torturando o pai delas, o que as faz utilizarem seus poderes novamente. Recuperada a cidade, elas se unirão à Prefeitura no combate ao crime.

Estudiosas feministas entendem que as características atribuídas como próprias de homens, ou mulheres, não são biologicamente determinadas. Ao contrário, são socialmente construídas, ou seja, são produtos das relações sociais. Contudo, não desconhecendo que as diferenças biológicas existem, estabeleceram que sexo é o conjunto de caracteres físicos responsáveis pelas funções procriativas e decidiram atribuir ao conjunto de características de temperamento masculinas, ou femininas, que para elas são adquiridas através das relações sociais, o termo gênero. Sendo assim o homem e a mulher são produtos do gênero; o sexo do indivíduo é estabelecido por sua condição biológica de macho, ou fêmea.

Para Foucalt, a disputa pelo poder embasa as construções sociais, sendo assim a construção de modelos distintos de homens e mulheres seria o resultado da disputa de poder; podemos acrescentar que nessa disputa a desvantagem tem sido predominantemente feminina.

De acordo com Pedrosa, 2009 “ideologia é um termo utilizado para indicar o estabelecimento e conservação de relações desiguais de poder”, ela afirma ainda que “Fairclough (2001) defende o discurso como prática política e ideológica. Como prática política, o discurso estabelece, mantém e transforma as relações de poder e as entidades coletivas em que existem tais relações. Como prática ideológica, o discurso constitui, naturaliza, mantém e também transforma os significados de mundo nas mais diversas posições das relações de poder”.

Desta forma compreendemos que o discurso é a arma da qual a ideologia se utiliza para se perpetuar e assim manter o padrão das relações de poder na sociedade. Entendemos também que o discurso procura naturalizar, biologicizar o que na realidade é fruto das relações sociais, das relações de poder.

No filme, o discurso se materializa através dos nomes que recebem as meninas, das imagens (do quarto por exemplo), de outras figuras femininas na trama, da ausência da mãe e da presença do cientista homem (o homem é racional, objetivo, inteligente...).

Por iniciativa do pai, elas vão se apropriando dos signos que representam o feminino.
Recebem nomes no diminutivo e que remetem a características de temperamento tipicamente associadas ao feminino - Docinho, Florzinha e Lindinha. Note-se que Docinho, apesar de mal-humorada, recebe este nome, pois, afinal, é mulher.
Os brinquedos são os tipicamente femininos, o quarto é pintado de rosa e as almofadas têm formato de coração.
Vale ressaltar, embora não os analisemos neste trabalho, os perfis das outras mulheres que surgem na história:
1) Uma mulher que um homem tenta seduzir falando do seu carro luxuoso;
2) Uma mulher que desempenha a função de professora das meninas;
3) A secretária do Prefeito, que é uma mulher de corpo considerado perfeito no padrão dominante de sensualidade (o rosto não aparece, só o corpo). Na verdade ela manda na cidade, o prefeito (homem) não assume suas funções, mas ela procura dar a impressão de que o prefeito manda (a mulher se impõe através da aparência do corpo e é manipuladora). A cidade está um caos (será que porque quem manda é a mulher?).

O que determina o fato delas serem superpoderosas é a associação direta com o “elemento químico X”- fruto do racional, do trabalho intelectual do homem, portanto da dissociação genética com a mulher. Os traços de feminilidade – já que não são adquiridos através de herança genética da mãe, mas que estão na essência das meninas - decorrem do açúcar, dos temperos e de tudo o que há de bom (representados na forma de corações, estrelinhas, florzinhas e etc., coloridos em tons pastéis).

Observe-se que toda a vida das meninas gira em torno do pai; em função de suas orientações e necessidades. Perguntamos : porque não uma mãe cientista, desempenhando o papel de DEUS, que é o que o pai representa quando cria as meninas?

Essa materialização do discurso ocorre de forma voluntária, ou não, e acaba por explicitar a tentativa de manutenção da ideologia de gênero dominante (interditos e exclusões às mulheres, associação essencialista da mulher à docilidade, aos cuidados, que inclui o preparo de alimentos – temperos, e etc).

O pai também as coloca na escola, que é uma das principais formas de difusão de ideologia.
Sendo a identidade a forma de se entender no contexto social, tanto no que se refere à igualdade, quanto à alteridade, a importância deste conceito está no fato de que é a partir dessa identificação que nos afirmamos enquanto sujeitos. Cada sujeito, contudo, carrega diversas identidades, dentre as quais a identidade de gênero que, pelo que vimos, é uma construção social, fruto das relações de poder e perpetuada, ou não, pelo discurso. Segundo MACHADO, para Teresa De Lauretis (1994) os meios de comunicação de massa, como o cinema, têm importante papel na construção da Identidade de Gênero, pois reforça, ou subverte, os padrões de comportamento masculino, ou feminino.

Diz MACHADO que, para Jean Claude Abric, representação é, “um conjunto organizado de opiniões, de atitudes, de crenças e de informações se referindo a um objeto ou uma situação. Ela é determinada, de uma só vez pelo sujeito ele mesmo (sua história, sua vida), pelo sistema social e ideológico no qual ele está inserido, e pela natureza das ligações que o sujeito mantém com o sistema social”.

Entendemos, portanto, que na construção das identidades do indivíduo, as representações têm fundamental papel, uma vez que irão influenciar (ao mesmo tempo, que serão influenciadas) na reprodução dos comportamentos e pensamentos inerentes às tais representações, ou seja na construção das identidades. Em outras palavras, no caso da construção da identidade de gênero feminina, uma pessoa do sexo feminino, por exemplo, reproduzirá os comportamentos e pensamentos, que ela entende serem apropriados para uma mulher. Ou, construindo uma identidade de gênero masculina, uma pessoa do sexo feminino reproduzirá os comportamentos e pensamentos, que ele entende serem apropriados para um homem.

As tecnologias de gênero, dentre elas o cinema, influenciam na construção das representações e portanto das identidades. Isto se evidencia no alto consumo dos produtos com a marca das "Meninas Superpoderosas".

A mídia de um modo geral tem se ocupado em destacar nas personagens as novas imagens associadas à mulher – dentre elas de poder, força, coragem - o que ocorre no filme, contudo não tem abdicado de manter a associação dessas mulheres com o que tem sido considerado ao longo dos anos próprio, “essencial” do feminino. É importante verificar a contradição que há já no título; Meninas (dengosas, birrentas, sensíveis) X Superpoderosas (fortes, decididas, corajosas). Note-se que o fato de serem dengosas, birrentas e sensíveis não pode ser associado ao fato de serem crianças, pois meninos não são comumente assim representados pela mídia.

Durante a trama a fraqueza fica evidenciada quando elas expressam atitudes tidas como femininas (nada dá certo) e a fortaleza quando expressam comportamentos tipicamente masculinos (tudo dá certo).

Note-se ainda que a primeira reação das meninas (a reação “natural”) é sempre de medo e insegurança; a virada de mesa vem quando Florzinha põe a super inteligência para funcionar e consequentemente, as outras, põem os superpoderes para funcionar também ( todos os “super” adquiridos a partir do "elemento X").

Ainda segundo MACHADO, de acordo com a definição de Abric, “o núcleo central é o elemento fundamental da representação, por que é ele que determina, de uma só vez, a significação e a organização da representação”. O autor também afirma que ele é “o elemento mais estável da representação, aquele que resiste mais à transformação”...Uma representação é suscetível de evoluir e de se transformar superficialmente por uma mudança de sentido ou da natureza dos seus elementos periféricos”.

Desta forma concluímos que embora a forma de representar a mulher no filme “As Meninas Superpoderosas” em princípio denote a idéia de que elas representam o alcance do ideal de igualdade de direitos entre mulheres e homens, nas entrelinhas percebemos a manutenção do centro do discurso ideológico dominante de gênero, que mantém associadas às mulheres características de temperamento socialmente desvalorizadas, e aos homens as características que são socialmente valorizadas, o que vem a influenciar na manutenção da hierarquização social, com base na diferença sexual.
BIBLIOGRAFIA
LOURO, Guacira Lopes. A emergência do gênero. In: ______.Gênero, sexualidade e educação: uma perspectiva pós-estruturalista. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997,p.14-36.

PEDROSA, Cleide Emília. Análise crítica do discurso: uma proposta para análise crítica da linguagem. 2004.

MACHADO, Liliane Maria Macedo. À margem do elemento X: desconstruindo os (super) poderes das meninas.Brasília, DF: Em Tempo de Histórias, n°. 7, 2003.

8 comentários:

  1. O nome da autora da segunda referência é Cleide Emília Pedrosa.

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  2. Quanto a sua pergunta sobre o porquê das mães não criarem, acredito que passa pela construção social de que a mãe gera (biológico) e o pai cria porque não pode gerar, biologicamente. O que me chama a atenção, embora não tenha visto o filme, é que independente de qum gera ou crie, a matriz é androcêntrica. O fato das mães gerarem não muda porque a mãe é um papel social inscrito dentro da lógica androcêntrica, portanto ela se movimenta dentro dessa lógica, afinal de contas é ela que educa as crianças e desde cedo as orienta quanto aos papéis sociais que a sociedade aceita. Mesmo com algumas raras "subversões", a base estrutural é ainda pautada em valores de uma classe dominante, burguesa, portanto.

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Alguns estudos propostos pela teoria fílmica feminista tem mostrado que a recepção é bem mais complexa e que ela não é linear, nem unilateral. Enquanto a leitora/o leitor assiste a um filme, ele/ela estará produzindo sentidos, significados, conforme o acervo, valores e interesses. O espaço da significação é de tensão constante. Sendo assim, algumas teóricas fílmicas feministas, de viés psicanalítico, afirmam que a leitora, por exemplo, pode se identificar com uma representação de poder masculino e não com a da mulher, desempoderada. O que eu acho interessante nesse filme, pelo que pude ler, é que para evitar esse desvio de representação, isto é, que as mulheres de fato busquem as instâncias de poder, tem-se apresentado personagens mulheres com supostos poderes, poderes aparentes, mas que na verdade são CRIADOS pelo homem. De qualquer sorte, elas existem (passivas ou ativas) em função do desejo do outro, que torna esse "ativo" questionável. E aqui reside a ideologia, que inverte e engana.

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  5. Sugestão:

    Diminuir a fonte e dar espaços entre os parágrafos.

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  6. Profa. Lúcia,
    Em alguns parágrafos a formatação (o espaçamento) não foi aceita pelo programa. Tentamos várias vezes!
    P.S. Não sabíamos que existia uma teoria fílmica feminista!

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